Testemunho de uma voluntária:
Desde pequena que me ensinaram a gostar de animais. Esse gostar não assentava só no não lhes fazer mal, mas sim no respeito, solidariedade e auxílio.
Ensinaram-me que, quer humanos quer animais, feitos da mesma matéria, sofrem e que é dever de todos a entreajuda.
Deixemos os humanos excluídos da conversa e centremos-nos nos animais… Infelizmente, muito se lê e ouve dizer: “Sou amiga/o dos animais!”, “Há que defender os seus direitos!”, … Eu pergunto-me se, na maioria das vezes, tal frase não está alicerçada no “dizer por ser bonito dizê-lo” e se corresponde realmente às convicções pessoais. É com tristeza que, em observação profunda da sociedade atual, se verifica que se pauta por fachadas.
Mesmo quem não está ligado à causa consegue ter a noção que o abandono animal se alastrou que nem praga e que as atrocidades cometidas contra eles se tornaram banais e não são punidas.
Crise de valores? Maldade? Egocentrismo da nossa parte em nos assumirmos como reis deste planeta, onde podemos fazer o que quisermos sem nos preocuparmos com as outras criaturas com quem dividimos a nossa existência? A resposta esconde-se na sombra...
O Cantinho dos Animais de Évora, é, entre tantas outras entidades, uma associação que luta diariamente em prol dos animais, que, mesmo sem voz, suplicam por ajuda. Se há humanos “inteligentes” para lhes causar sofrimento, felizmente há os que lhes conseguem dar ou pelo menos tentam dar-lhes a vida condigna que merecem. Ainda há os que lutam (e lutam pondo mãos à obra e não através de palavras levadas pelo vento), numa guerra insensata e sem sentido, com as facções desproporcionais, e que fazem jus à qualidade de altruísmo e sacrifício.
Contudo, os “soldados” deste cantinho de refúgio que é o Cantinho, estão na facção com menos militantes. Soldados que, mesmo sem armas, travam uma guerra que parece infindável. A ajuda é imperativa, para que o fosso entre as facções se encurte.
Nessa conjuntura, decidi ser mais um soldado. Não consigo sanar todas as feridas do Cantinho, mas, dentro dos possíveis, tento apaziguar e dar um consolo aos animais que nele se refugiam, que nem vítimas de holocaustos…
Ser-se voluntário suga-nos muita coisa, mas o que nos dá, suplanta a perda. Ser-se voluntário no Cantinho, ainda que esporadicamente, e vê-los a sorrir, mesmo carregando um passado de maus-tratos, torna-se no auge nos dias em que lá vou e perdura por toda a vida.
Adoro ver:
o Spoocky, que me ludibria sempre, tipo jogador da bola a fazer uma finta, e foge da box, a correr e a pular-me para o colo a pedir festas;
o Nissan a mordiscar-me as costas e pernas de felicidade;
a Malaguinha e vizinhas a pularem excitadas com a visita;
o Torres com o seu tamanho de gigante, a brincar com os “anões”;
o Mel e o Petiz, “tamanho xs”, a acharem-se tamanho xl;
o Kimbas e as suas mudanças de humor;
o Black a enfiar a sua enorme cabeça dentro do meu casaco para receber festas e mesmo comigo a caminhar, não sai;
a Misha a conversar connosco que nem uma cantora;
a Miuki com pilhas alcalinas de longa duração;
o Weitz, o Misericórdia e o Brumba, “os velhotes”, mesmo de pança cheia, sem caber mais uma migalha, a roubar as latas vazias de comida, quando me distraio e as deixo no chão;
a timidez da Fusca;
o latido de felicidade da Malú;
a Shakira, que se abana mais e melhor que a cantora;
a Laika e a sua paciência para aturar as suas companheiras que só querem brincadeira;
a Buka e a Susie e a postura de “keep calm”;
a doçura da Adora e da Buda;
e todos os outros, que têm nome e personalidade, e que, na ânsia de nos cativarem, como que dizendo: “Leva-me para casa, ou, pelo menos, faz-me um carinho!”, se dão logo a conhecer.
O Cantinho poderia fazer mais e melhor? Sim, claro, toda a gente poderia!
Mas cabe-nos a nós, os que dizem ser amigos dos animais, deitar mãos à obra e ajudar. O Cantinho sozinho não consegue e é nossa função reforçar os alicerces de tão nobre missão. Os animais precisam!
Não basta dizer "Eu sou amiga/o dos animais!" e partilhar fotos de apelos nas redes sociais. As verdadeiras vítimas da nossa crueldade precisam de nós! Os animais do Cantinho precisam e suplicam por isso. Uma única festa na cabecita fá-los ficar felizes, pois não são exigentes. A mim, uma única lambidela, faz-me sonhar e viajar para um mundo de fantasia onde humanos e animais coabitam em paz e onde o respeito e solidariedade reinam.
Por melhor que os animais sejam tratados, como é no caso do Cantinho, um abrigo é um local triste para animais, até porque a maioria deles já teve uma família onde recebiam carinho e foram abandonados. Os animais estão em boxes, colectivas ou individuais, e sentem muita falta de contacto humano. É nosso dever (eu pelo menos entendi e respondi a esse apelo interior, levando a minha ajuda) dar alegria de viver para esses animais e, principalmente, ajudar na divulgação deles para que tenham a oportunidade de serem adoptados por uma família de verdade.
Sinto que, além do trabalho que faço em ajudá-los, torno-me (bem como todos os outros voluntários que também lá vão, poucos, mas bons), essencial na vida de cada focinho carente, pois a atenção e o carinho que eles recebem de nós é o que dá forças para eles continuarem lutando pela vida e pela felicidade!
Deixo o meu testemunho do tão bom que é ser voluntária no Cantinho (na interacção com os animais acolhidos), na ânsia que mais me sigam, ainda que esporadicamente. O que é que custa dar 2 ou 3 horas do nosso tempo em prol deles? O que é que custa deixar-lhe um sorriso na cara? O que é que custa fazê-los esquecer do angustiante passado que tiveram e do trauma de abandono? Também nós, na situação deles, gostaríamos de ser reconfortados....
Basta de impassividade e está na hora de aceitar o desafio de ser voluntária/o no Cantinho (e/ou mesmo adotar). A vossa vida mudará para melhor, garanto. Está na hora de descruzar os braços e agir!
Aguardamos todos por vocês,
Ana Santos, sócia nº3699 e voluntária no Cantinho dos Animais